sábado, 29 de junho de 2013

Mineirinho: Crônica de Clarice Lispector

Eu adoro essa crônica que Clarice Lispector escreveu em 1962 sobre a morte de Mineirinho, que foi assassinado pela policia. Como ela mesma se refere numa entrevista: ''[...] foram 13 tiros sendo que uma bala só bastava, o resto era vontade de matar, prepotência...' Compartilho abaixo:



É, suponho que é em mim, como um dos representantes de nós, que devo procurar por que esta doendo a morte de um facínora. E por que é que mais me adianta contar os treze tiros que mataram Mineirinho do que os seus crimes. Perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o assunto. Vi no seu rosto a pequena convulsão de um conflito, o mal-estar de não entender o que se sente, o de precisar trair sensações contraditórias por não saber como harmonizá-las. Fatos irredutíveis, mas revolta irredutível também, a violenta compaixão da revolta. Sentir-se dividido na própria perplexidade diante de não poder esquecer que Mineirinho era perigoso e já matara demais; e no entanto nós o queríamos vivo. A cozinheira se fechou um pouco, vendo-me talvez como a justiça que se vinga. Com alguma raiva de mim, que estava mexendo na sua alma, respondeu fria: 'O que eu sinto não serve para se dizer. Quem não sabe que Mineirinho era criminoso? Mas tenho certeza de que ele se salvou e já entrou no Céu.' Respondi-lhe que 'mais do que muita gente que não matou'.
Por que? No entanto a primeira lei, a que protege corpo e vida insubstituíveis, é a de que não matarás. Ela é a minha maior garantia: assim não me matam, porque eu não quero morrer, e assim não me deixam matar, porque ter matado será a escuridão para mim.

Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me fez ouvir o primeiro tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina - porquê eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.

Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso durmo e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais. Para que minha casa funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno, o chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos. Até que treze tiros nos acordem, e com horror digo tarde demais - vinte e oito anos depois que Mineirinho nasceu - que ao homem acuado, que a esse não nos matem. Porque sei que ele é o meu erro. E de uma vida inteira, por Deus, o que se salva às vezes é apenas o erro, e eu sei que não nos salvaremos enquanto nosso erro não nos for preciso. Meu erro é o meu espelho, onde vejo o que em silêncio eu fiz de um homem. Meu erro é o modo como vi a vida se abrir na sua carne e me espantei, e vi a matéria de vida, placenta e sangue, a lama viva. Em Mineirinho se rebentou o meu modo de viver. Como não amá-lo, se ele viveu até o décimo terceiro tiro o que eu dormia? Sua assustada violência. Sua violência inocente - não nas conseqüências, mas em si inocente como a de um filho de quem o pai não tomou conta. Tudo o que nele foi violência é em nós furtivo, e um evita o olhar do outro para não corrermos o risco de nos entendermos. Para que a casa não estremeça. A violência rebentada em Mineirinho que só outra mão de homem, a mão da esperança, pousando sobre sua cabeça aturdida e doente, poderia aplacar e fazer com que seus olhos surpreendidos se erguessem e enfim se enchessem de lágrimas. Só depois que um homem é encontrado inerte no chão, sem o gorro e sem os sapatos, vejo que esqueci de lhe ter dito: também eu.


Eu não quero esta casa. Quero uma justiça que tivesse dado chance a uma coisa pura e cheia de desamparo e Mineirinho - essa coisa que move montanhas e é a mesma que o faz gostar 'feito doido' de uma mulher, e a mesma que o levou a passar por porta tão estreita que dilacera a nudez; é uma coisa que em nós é tão intensa e límpida como uma grama perigosa de radium, essa coisa é um grão de vida que se for pisado se transforma em algo ameaçador - em amor pisado; essa coisa, que em Mineirinho se tornou punhal, é a mesma que em mim faz com que eu dê água a outro homem, não porque eu tenha água, mas porque, também eu, sei o que é sede; e também eu, não me perdi, experimentei a perdição. A justiça prévia, essa não me envergonharia. Já era tempo de, com ironia ou não, sermos mais divinos; se adivinhamos o que seria a bondade de Deus é porquê adivinhamos em nós a bondade, aquela que vê o homem antes de ele ser um doente do crime . Continuo, porém, esperando que Deus seja o pai, quando sei que um homem pode ser o pai de outro homem. E continuo a morar na casa fraca. Essa casa, cuja porta protetora eu tranco tão bem, essa casa não resistirá à primeira ventania que fará voar pelos ares uma porta trancada. Mas ela está de pé, e Mineirinho viveu por mim a raiva, enquanto eu tive calma. Foi fuzilado na sua força desorientada, enquanto um deus fabricado no último instante abençoa às pressas a minha maldade organizada e a minha justiça estupidificada: o que sustenta as paredes de minha casa é a certeza de que sempre me justificarei, meus amigos não me justificarão, mas meus inimigos que são os meus cúmplices, esses me cumprimentarão; o que me sustenta é saber que sempre fabricarei um deus à imagem do que eu precisar para dormir tranqüila, e que os outros furtivamente fingirão que estamos todos certos e que nada há a fazer. Tudo isso, sim, pois somos os sonsos essenciais, baluartes de alguma coisa. E sobretudo procurar não entender.

Porque quem entende desorganiza. Há alguma coisa em nós que desorganizaria tudo - uma coisa que entende. Essa coisa que fica muda diante do homem sem o gorro e sem os sapatos, e para tê-los ele roubou e matou; e fica muda diante do S. Jorge de ouro e diamantes. Essa alguma coisa muita séria em mim fica ainda mais séria diante do homem metralhado. Essa alguma coisa é o assassino em mim? Não, é o desespero em nós. Feito doidos, nós o conhecemos, a esse homem morto onde a grama de radium se incendiara. Mas só feito doidos, e não como sonsos, o conhecemos. É como doido que entro pela vida que tantas vezes não tem porta, e como doido compreendo o que é perigoso compreender, e como doido é que sinto o amor profundo, aquele que se confirma quando vejo que o radium se irradiará de qualquer modo, se não for pela confiança, pela esperança e pelo amor, então miseravelmente pela doente coragem de destruição. Se eu não fosse doido, eu seria oitocentos policiais com oitocentas metralhadoras, e esta seria a minha honorabilidade.

Até que viesse uma justiça um pouco mais doida. Uma que levasse em conta que todos temos que falar por um homem que se desesperou porque neste a fala humana já falhou, ele já é tão mudo que só o bruto grito desarticulado serve de sinalização. Uma justiça prévia que se lembrasse de que nossa grande luta é a do medo, e que um homem que mata muito é porque teve muito medo. Sobretudo uma justiça que se olhasse a si própria, e que visse que nós todos, lama viva, somos escuros, e por isso nem mesmo a maldade de um homem pode ser entregue à maldade de outro homem: para que este não possa cometer livre e aprovadamente um crime de fuzilamento.
Clarice Lispector
Uma justiça que não se esqueça de que nós todos somos perigosos, e que na hora em que o justiceiro mata, ele não está mais nos protegendo nem querendo eliminar um criminoso, ele está cometendo o seu crime particular, um longamente guardado. Na hora de matar um criminoso - nesse instante está sendo morto um inocente. Não, não é que eu queira o sublime, nem as coisas que foram se tornando as palavras que me fazem dormir tranqüila, mistura de perdão, de caridade vaga, nós que nos refugiamos no abstrato.

O que eu quero é muito mais áspero e mais difícil: quero o terreno







quinta-feira, 20 de junho de 2013

Revolução dos 20 centavos


O que num primeiro momento parecia uma manifestação reivindicando o aumento das passagens de ônibus na capital paulista tornou uma manifestação que vai muito além dos 20 centavos.
O aumento de 20 centavos foi a gota d’água de muitas reivindicações que estavam sendo silenciadas, dialogadas por pequenos grupos, porém, agora tomou força e desencadeou um grito que a muito tempo estava sufocado pelo povo.
Esse movimento que tem crescido a cada instante é legítimo, essas mobilizações fazem crescer dentro de cada um o desejo de um país melhor, justo, igualitário com qualidade de vida para todos.
Não foram apenas 20 centavos que aumentaram e sim muitos anos de um povo sendo enganado, silenciado, manipulado e pagando por algo que é de direito, o de ir e vir.
O movimento Passe Livre fez voltar à consciência do brasileiro e mostrar que todos unidos têm força contra um sistema corrupto, que não olha com afinco para as necessidades reais de um país que sofre por anos sem se manifestar.
Essas manifestações fazem acreditar que sim, o Brasil pode melhorar, porque o povo quer, o povo exige, o povo tem poder e não é mais  apenas subordinado aos caprichos de governantes corruptos e impunes.
É importante destacar que além do passe livre os movimentos estão gritando contra uma serie de problemas que o Brasil enfrenta silenciosamente há muito tempo, por exemplo, a falta de investimentos na área saúde, educação.
O movimento também levanta cartazes contra  a PEC 37 conhecido como ‘PEC da Impunidade, pretende tirar o poder de investigação criminal dos Ministérios Públicos Estaduais e Federal, modificando a Constituição Brasileira.’ (ver fontes)
A lei da ‘cura gay’ que não é apenas um retrocesso, mas uma agressão aos direitos humanos, entre outras reivindicações.
O importante dessas manifestações é que todos estão unidos por um Brasil melhor, seja qual for a bandeira levantada são todos a favor de justiça e lutando pelos seus direitos.
Tirando algumas manipulações da mídia, pode-se ver um movimento único, que há muito tempo não víamos no Brasil e assim renasce o que já estava calado, UM BASTA, não querendo apenas  uma reforma e sim uma REVOLUÇÃO. 

 
Clenio Lopes

Fontes: 
Sobre a PEC: http://www.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=4889

terça-feira, 11 de junho de 2013

Sexualidade e Deficiência Intelectual



O que é deficiência intelectual?



Existem diversas teorias a respeito desse tema, acreditando que irá facilitar o entendimento do publico em geral, a Associação Americana de Retardo Mental (AAMR), definiu a “deficiência mental” (deficiência intelectual) “como um funcionamento mental significantemente inferior à média, que tem inicio antes dos 18 anos de idade e, com limitações significativas no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das seguintes áreas: comunicação; auto-cuidado; vida doméstica, autossuficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde, segurança”, sendo que tal funcionamento se refere às limitações em aspectos de inteligência prática, social e conceitual. (Uniara,2012)

Podemos também definir que existem graus de deficiência: grave, moderado e leve.

O Grave seria o sujeito com atraso mais perceptível, com maiores complicações na comunicação, interação social, entendimento das tarefas a sua volta. São casos mais complexos.

O Moderado também tem sua complexidade, porém conseguem desenvolver algumas habilidades com maior facilidade e entendimento.

E o leve que são os que conseguem chegar a uma normalidade em relação a sociedade, muitos conseguem ter uma vida tranqüila. Porém em todos os níveis o acompanhamento profissional se faz necessário.

Em relação à Sexualidade:


É importante desconstruir alguns mitos, como por exemplo, acreditar que o portador de deficiência intelectual é assexuado, o que ainda é muito comum mesmo entre familiares e alguns profissionais. Como reflete Uniara (2012) ‘’A crença mais comum professada pela população é a de que as pessoas com deficiência mental (deficiência intelectual) são seres assexuados, que não despertam para o interesse sexual, não apresentando desejos e interesses compatíveis com seus pares de mesma faixa etária e que são incapazes de manter vínculos afetivos com qualquer possibilidade de duração. ’’(p.08)

É importante entender que há uma sexualidade e que muitos casos isso aparece e o sujeito com deficiência  intelectual não consegue lidar com essas manifestações, acabam muitas vezes se expondo em lugares públicos, tocando seus genitais por exemplo. Por isso é fundamental a orientação profissional. Esse comportamento pode ser entendido em alguns casos como de risco, pois ficam a mercê de algum tipo de violência.

Importante:

Sendo assim, é fundamental procurar orientação profissional, tanto os familiares quanto profissionais que acompanham o paciente e não tem conhecimento da sua sexualidade, e para os demais que de alguma forma convivem com algum Deficiente Intelectual.


O papel do profissional:


O profissional que trabalha com Deficiente Intelectual, familiares, e a comunidade em geral, deve estar atento e orientar a todos de modo adequado, buscando conhecimento para melhor efetivar seu trabalho.

Ajudar o deficiente intelectual e demais no que tange questões como: higiene pessoal e o controle dos esfíncteres, as alterações hormonais, anatômicas e fisiológicas, o exibicionismo, os jogos e brincadeiras sexuais, o namoro, a afetividade, o prazer, a consciência genital, a identificação de gênero e a orientação afetiva e sexual, o abuso sexual, entre outras, compõem a díade sexualidade-deficiência intelectual. (Uniara.2012)


Tanto profissionais, familiares e a comunidade  em geral devem: 


-Procurar informações sobre o assunto;

-Trabalhar com seu próprio preconceito sobre o tema;

-Orientar-se em relação à sexualidade para dar suporte aos deficientes quando necessário;

-Ajudar o deficiente intelectual entender a mudanças do seu corpo;

-Orientar as pessoas que convivem com o Deficiente Intelectual de como agir, capacitando-os a também a dar suporta ao DI;

-Conhecer os direitos do portador e ajudá-los a procurar por eles quando necessário

-Exigir atendimento capacitado para dar conta da demanda do deficiente

-Participar de eventos onde a sexualidade do deficiente seja um dos temas.

Essas são apenas algumas possibilidades entre outras que podem surgir, o fundamental é ajudar na construção de uma sociedade justa, que valoriza à todos sem preconceitos. 

Clenio Lopes